17 agosto 2007

A imagen do rosto - Rubem Alves





"O olhar de admiração para um quadro que pendurei na parede, eu o sinto como se dirigido para meu próprio rosto. Pois aquele quadro é um pedaço que arranjei de mim mesmo.


Isso é algo que os amantes frequentemente ignoram. Pensam que carinho são os gestos que um faz na pele do outro, ignoram que a pele não é o limite do corpo - que o corpo é muito maior. Porque os meus olhos vêem as estrelas, o meu corpo vai até elas. Os poetas sabem disso. Dizia Rilke: "Não se origina em vós, estrelas, o prazer que os amantes respiram no rosto da amada?" Os amantes fariam bem se deixassem um pouco a leitura dos manuais de acrobacia erótica e gastassem mais tempo na leitura dos poetas. Pois somente eles sabem que, para se acariciar o corpo da amada, é preciso acariciar primeiro a luz da estrela distante que brilha nos seus olhos. Encontra-se aqui, eu penso, a explicação para a morte súbita do amor - mesmo quando nenhum gesto rude e nenhuma palavra amarga tenha sido feito ou pronunciada. Basta não ver a beleza da estrela que mora dentro dos olhos...


Cuidado, portanto, ao andar em meio aos objetos que delineiam o rosto de uma pessoa. Ande no meio deles como num lugar sagrado. Abra bem os olhos. Espere que eles se revelem. Eles são tão misericordiosos quanto o corpo que os gerou: são seus filhos. Se não os compreender, faça silêncio. Lembre-se de que sua insensibilidade poderá ser perdoada, mas não poderá ser esquecida. E, sobretudo, lembre-se de que, sem que você queira e sem que você saiba, nos seus gestos para com os cenários de alma de alguém, invisivelmente, imperceptivelmente, vai se configurar também, no espaço, a imagem do seu rosto. E é essa imagem, somente essa, que pode ou não ser amada..."

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Já dizia marilena chaui que os olhos são o espelho da alma.,., se eles são os espelho, a moldura é o rosto.,., beijo

agosto 20, 2007 11:31 da manhã

 

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