08 novembro 2006

Tudo se fala em silêncio doído

A Vertigem dos dias - Guilherme F. www.coisasdagaveta.blogs.sapo.pt

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Bebo mais uma chavena de chá e olho a vidraça, que se resume num branco esfumado.
Vejo um Outono que chega apressado, não com os olhos, mas com um remorso profundo, vindo das entranhas, de quem desespera para encontrar uma resposta que lhe justifique o abandono daquela alma simples e pura. Encontrei uns olhos que me pediam atenção. Dei-lha. E não foi a sua juventude (o corpo) ou a sua maturidade (a alma) que me trouxeram daquele lugar remoto e triste a que chamam solidão. Não foi o verde dos olhos, que me mostraram florestas e lugares nunca antes visitados, que me trouxe uma alegria fresca, como a brisa que soprava nesse fim de tarde de Setembro. Foram as mãos. Os dedos rectilíneos e brancos; o tocar suave no meu braço cansado de tanto escrever; foi o tecido aveludado da sua mão que me devolveu cheiros e sabores que julgava perdidos.

Não fui eu quem a conquistou, porque sou incapaz de olhar e desejar uma mulher. É pesado esse desejo que não ouso sentir; tenho-o preso, amarrado e não o liberto jamais. Foi ela, quem teceu a teia, frágil tecido feito de calmos dias e noites de esgotantes leituras e tudo o resto que guardo nestes olhos cansados.
Não fui capaz de lhe dar o que me pedia (tão pouco, meu Deus) e parti já esgotado de tantas emoções. Gosto dos dias simples e leves, sem desejos e sentimentos que me perturbem a escrita e os pensamentos, e amar é demasiado esgotante para quem vive a leveza dos dias e das horas sem entusiamos fúteis.
Não quero suportar a paciência de ver e ouvir, todos os dias, os mesmos vizinhos; as mesmas solidões (tão iguais, que somos). Não quero a tranquilidade de um lar, os filhos, o quotidiano dos dias e das almas planas.
Escolho a solidão, consciente e altivo, como que escolhe a forca ao lugar da mentira e com isso se sente satisfeito, de uma felicidade quente que o ajuda a enfrentar o desconhecido. É essa a minha escolha, não sem recentimentos e angústias, mas de uma vertigem de lugares e emoções. Tantas pessoas. Tantos destinos. Tanto para se sentir e eu, olhando esta paisagem árida e fria, escolho isto: não dar felicidade a quem a procura pois, com isso, daria um pouco de mim. E eu já sou tão pouco.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Olá, achei você no blog do Adauto!
Belissimo blog, belissimos textos, belissima linguagem!
Já que somos ambos blogueiros, me visite quando quiser, e puder.
Um beijo

novembro 08, 2006 9:03 da tarde

 

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